04/01/2007

O ANJO

O ANJO
Victor Jerónimo

Ela era bonita e hermosa. Tinha todos os predicados de uma donzela.
Vivia quase enclausurada naquele rés-do-chão, assomando por vezes a sua cabecita na janela, ornada com cortinas cor-de-rosa.
Naquela manhã o António, alterou a rua que percorria há anos em direção ao seu emprego. A rua que sempre percorreu e calcorreou em gastos infindos de solas, estava impedida pelo rebentamento dos esgotos, que a chuva nessa noite se encarregou de destruir.
Seguia o António remoendo nos seus pensamentos as fracas construções dos homens, quando teve a visão do anjo. Sim só podia ser um anjo essa visão, tão de repente aconteceu. Parou, olhou para trás e, desistiu. Foi remoendo que recomeçou o seu andamento em direção ao trabalho, mas desta vez, pensando na visão. Esta foi tão rápida, que só poderia ter sido visão.
Então ele não olhou para trás? E que viu? Nada. Por isso foi mesmo uma visão.
Hoje, quarenta anos passados, o António percorre a mesma rua. Tem por companheira uma bengala e recorda que afinal, naquele dia teve mesmo uma visão, que se tornou real.
Quarenta anos da sua vida destruída, só, desamparado, sem ninguém na vida, porque naquele dia o António não viu um anjo, mas sim o diabo que arruinou sua vida, para sempre.
Hoje... só!...

Recife, 06-02-2004

Sem comentários: