07/07/2007

NASCI TÃO LONGE


(foto de Hernán Zin)


NASCI TÃO LONGE
por Victor Jerónimo

E tu aí tão perto de todas as guerras, fazes-me sentir culpado das ameaças que não vivi.
É certo que a minha geração também sofreu na carne e no espírito os horrores das violações, das bombas, das minas, das balas perdidas na defesa de terras longínquas que diziam ser nossas e apenas porque tivemos o mérito de as descobrir ou terá sido achar? E tu aí tão perto de todas as guerras, fazes-me sentir culpado das ameaças que não vivi, dos sofrimentos sem fim, das bombas enviadas pelos céus de nações que se dizem amigas e que apenas procuram sugar o ouro da tua terra. Homens-bomba a que lhes foi ensinado que o paraíso espera recheado de coisas belas por eles. Até na morte há a ganância de conquistar esse paraíso.
O uso indiscriminado das religiões onde nem uma se salva na procura da Paz terrena. O inculcar do sofrimento ao homem dizendo, pregando que isso é natural como se houvesse prazer no sofrimento.
A educação prenhe de maldade que incute a um pequeno ser o ódio e o transforma numa maquina de matar, seja para roubar ou para salvação da alma, seja para matar a fome ou pelo simples prazer de matar. E tu aí tão perto de todas as guerras, fazes-me sentir culpado das ameaças que não vivi, da fome que não senti.
E com isso sinto-me um homem vil, déspota, com a desgraça lambendo-me as raízes do pensamento, porque não lutei, nem com as palavras. Cobarde acobertei-me nas asas do corvo e calado segui todos estes anos mirando os horrores à minha volta. Não gritei, não fiz ouvir a minha voz, não soube dizer Não, não soube dizer BASTA.
E tu aí tão perto de todas as guerras com o teu corpo ardendo, com tua alma descendo aos infernos, não sabendo o porquê do que te fazem, já não acreditando no que te dizem. E tu aí sem saberes o porquê terminam com tua vida no fogo do inferno.
E eu que nasci tão longe miro em uma foto o teu ultimo sopro de vida. Com pena, com tristeza, talvez com um pouco de horror.
Mas que fazer? eu que nasci tão longe...

Victor Jerónimo



2 comentários:

Alcina Maria disse...

"Nasci tão longe" de Victor Jeronimo, demonstra como sempre a força e a nobreza em estilo que esse autor tem em sobejo.
Sou fá do que ele escreve sempre.
Alcina Maria.

Anónimo disse...

Nascemos tão longe... mas já lá andámos. Como compreendo o que aqui dizes de forma magnífica! Claro que seria bom sinal se nem sequer precisasse de ser dito, isto é, se não houvesse esta dura realidade. Também me sinto impotente perante ela.
Não sei se cabe neste espaço, mas vou deixar aqui um poema meu,sobre o tema:

RECADO

No tempo que se evola das trincheiras
Há um pavor na alma que se instala;
A vida é só um grão ou são poeiras
No vento onde sibila a bomba e a bala.

Há desespero, lágrimas e preces
E nomes que se soltam da garganta...
Um filho que nasceu e não conheces
E a glória de o beijar seria tanta!

O céu torna-se roxo ou não tem cor
Das árvores, os vultos, fazem medo!
A noite vai morrendo... e o alvor
Trará um sol sem chama ao teu degredo.

Ao lado há um amigo teu que tomba
Desfigurado o rosto. O corpo exangue.
Não tardará que caia uma outra bomba
E dentro em tuas veias gela o sangue.

Parou o teu relógio. É só o Hoje
A Hora, Este Minuto, que te interessa!
O tempo percorrido todo foge
E a morte é já ali que ela começa!

Teus olhos têm laivos de loucura
E há palavras de ódio que te saem
Pr'aqueles que sentados na lonjura
Decidem quando e quantas bombas caem.

Assim tem sido o Mundo onde os chacais
Destroem vidas... sonhos a quem sonha...
Os mesmos que se dizem teus iguais
Sem terem uma só ponta de vergonha!


Joaquim Sustelo
(em OS MEUS CAMINHOS)