07/07/2007

O GAROTO

O GAROTO
Victor Jerónimo

Era um garoto imberbe que há pouco tinha deixado “os cueiros”. Não sabia nada da vida e muito menos de política, mas aqueles camaradas, eram tudo o que tinha na vida.
Aos poucos, entre o verdadeiro e falso, foram fazendo dele um novo camarada. Verdadeiras sessões políticas até às tantas da manhã, em verdadeiras lavagens ao cérebro, foram fazendo dele um candidato a herói.
Garoto imberbe, tornado membro do partido, na clandestinidade.
Começou a distribuir panfletos pelas caixas do correio dos moradores da cidade. Falava em surdina com outras pessoas, mas sempre de olho bem aberto não fosse algum bufo passar e ouvir.
Mais tarde começou a escrever para o jornal do partido na clandestinidade, artigos políticos, contra o governo. Começou então a ficar na mira da polícia. Um dia prenderam-no.
Torturaram-no pelo sono, pela estátua, pela água, pelos choques elétricos. Mas sua boca permaneceu fechada. Não resistiu.
Garoto imberbe que há pouco tinha deixado “os cueiros”, virou herói e... morreu.
Com direito a notícia no jornal.
Foi encontrado já sem vida, na Rua da Morte o Senhor Fulano de dezenove anos. A polícia pensa que foi assassinado numa rixa de bandos.
Passaram os anos. Hoje o Sr Fulano nem recordado, é; aliás, um amigo que lhe restou recorda-o, mas não o pode provar. As poucas notícias acerca dele, pereceram num incêndio que houve lá no partido.
Os camaradas... esses... hoje, governam o país e não têm tempo para recordações tão singelas.
Coitado, devia ter tido mais cuidado, o garoto.

Lisboa, Dezembro/2003

Sem comentários: