07/07/2007

DEFICIENTE

DEFICIENTE
Victor Jerónimo
Durante 45 anos usei daqueles óculos com lentes denominadas na gíria popular "fundo de garrafa". A minha alta miopia assim me obrigava a usar estes óculos. Por causa deles fui excluído socialmente em muitos locais, tendo mesmo dificuldade em ter um emprego ou mesmo um amigo. Aliás como muitos de nós somos alcunhados a minha alcunha era o "vidrinhos".Muitos dos chamados amigos eram-no por pena do coitadinho que usava aqueles óculos.Aos 45 anos e depois de três operações adquiri o estatuto de bonito e fui aos poucos sendo integrado socialmente.Hoje uso óculos normais ou por opção não os uso mesmo.Em virtude desta exclusão fui reparando no meu semelhante e nos que como eu estavam na mesma situação ou em situações deveras piores.Por um acaso do destino fiz amizade com o "José Manuel". Ele sofria de paralisia infantil nos membros inferiores e andava de muletas. Com ele e através dele aprendi muito sobre essa exclusão. Tínhamos então 15 anos e a sua postura perante a vida ensinou-me que eu não era um coitadinho e que podia lutar e vencer.Muitos anos mais tarde dei apoio em uma associação para crianças carenciadas e abandonadas. Muitas destas crianças eram deficientes e pude apreciar o quão de normais e lutadoras são essas crianças. Elas não tinham pai nem mãe mas perante a sociedade que as rodeava elas mostravam na sua inocência, a força e saber de verdadeiros lutadores.Actualmente muito tenho lido e observado sobre os protestos de pessoas nobres e que lutam pela integração na sociedade dessas crianças.Em boa verdade as pessoas estão cada vez mais introvertidas, fechando-se nos seus casulos e desaprendendo o bem maior da humanidade, o agir e tomar decisões comunitárias que começam logo no interagir com o vizinho, o amigo, o marido, o companheiro ou os filhos. Cada um de nós perdeu o dialogo construtivo com quem nos cercávamos levando às situações de solidão e carência que cada vez mais aflige cada um de nós.É na união, primeiro em casa, depois em comunidade que começa o desenvolvimento de uma nação e neste caso o desenvolvimento humano do carinho, amizade e de vermos como nossos iguais o deficiente que vive no nosso prédio ou na nossa rua.E esse desenvolvimento tem que começar logo de pequeninos, ensinando às nossas crianças que o deficiente é uma pessoa normal, mas que por força do destino nasceu ou ficou assim assim e como tal ele deve ser tratado não como um atrasado mas sim como alguém de muito valor na nossa sociedade.Se assim começarmos, estaremos a criar bases sólidas para que nas escolas lhes seja dado o devido valor, estaremos a criar bases sólidas para que certos governos se preocupem verdadeiramente com eles fazendo cumprir as leis e não as ter meramente escritas.Somos uma sociedade introvertida, mas queixamo-nos de todos os males que nos afligem, maus governos, maus amigos, maus companheiros, maus vizinhos e não olhamos para nós mesmos.Estamos sempre prontos a apontar defeitos nos outros, esquecendo-nos que nosso maior defeito reside em nós.Temos pena dos deficientes, porém confrontados directamente com eles não os ajudamos ou pior ainda adoptamos um sentimento de vergonha e culpa afastando-nos o mais rapidamente possível dele.Não conseguimos ter uma conversa com eles sem estarmos sempre a olhar para a sua deficiência.Sejamos capazes e humanos e olhemos à nossa volta. Sejamos reais e objectivos e tratemo-los com carinho, compreensão e real valor.
Recife, 05.set.2005

1 comentário:

Manuela Baptista disse...

Amigo Victor
Meu querido amigo
Para mim nunca foi o vidrinhos nem outra denominação qualquer me passou pela cabeça a não ser AMIGO.
Um amigo muito querido que não conheço pessoalmente mas que aprendi a respeitar e a admirar pelo grande ser humano que é
Com vidrinhos, pernas de pau ou olho de vidro para mim só importa a Amizade e essa está no nosso coração
Sempre foi um homem bonito e é claro que agora está ainda mais bonito mas o coração , o carinho e a Amizade não mudaram nada
Um abraço carinhoso desta amiga de já longa data
Manuela Baptista