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12/09/2007

VIDAS

VIDAS
(Cadernos Impolutos)
Victor Jerónimo

Formando o caracter nas horas mortas constrangidas do tempo, aquele imberbe garoto pulsante de vida corria através das vielas nuas e escusas procurando alimento para os seus.
A vida nunca lhe sorriu e o pouco tempo nesta vida já lhe havia ensinado que o mundo era cruel e fantamasgórico de caracteres e solidariedades.
O nascer naquele casebre imundo e onde os ratos eram a sua companhia, moldou-lhe a preparação para a vida a que dificilmente iria construir na perfeição da honradez.
Os seus brinquedos eram latas ferrujentas que o transportavam em sonhos próprios de criança e o levavam a mundos imaginários ora de dor ora de esperança, ora negro, ora azul punjente de um céu caiado de matizes.
A fome negra que muitas vezes lhe corroia as entranhas ía-o preparando para a vida dura e carregada de dissabores, mas ao mesmo tempo inculcava-lhe outros valores desconhecidos.
Aceitava tudo com um dom e maestria coisa ausente no mundo que o rodeava e os seus pensamentos vagueavam muitas vezes para flutuações de belos sonhos que o ajudavam a suportar a miséria em que vivia.
Tinha um sorriso enigmático mesmo nas piores situações o que era motivo de admiração na sua família e amigos que o chamavam "cabeça no ar" na falta de outras explicações para este seu estado de alma.
Prazenteiro ele evoluía muitas vezes para estados de alma próximos da plenitude e desejos especiais em encontros sublimes de espírito, num amor transcendente e evolutivo na escala espiritual.
Nestes estados a fome era a sua companheira e a solidão, a prazenteria da sua pequena vida.
Todo o mundo ao seu redor era inexistente e o recolhimento em si mesmo levava-o a estados próximos do extase.
Grande de espírito, não dava valor às carnes e o seu aspecto franzino era tema de dó mesmo entre os miseráveis que o rodeavam.
Porém seus olhos brilhavam, com aquele brilho especial, próprio das almas que vivem em paz consigo mesmas e encantava aos que não entendiam esse brilho.
Ficavam fascinados por eles e por isso muitas vezes nem reparavam a miséria carnal que grassava naquele corpo miserável abandonado e esquecido.
Quando corria nas vielas, roubando aqui e ali a alimentação necessária para o seu corpo franzino e para os seus, o espírito desprendia-se dele entregando-o aos males do mundo e fazendo-o olhar então a realidade que o cercava, tornando-o então e aos poucos violento na procura de bens essenciais à sua sobrevivência carnal.
Nestes estágios da vida o menino franzino tornava-se em menino louco e de forças sobrenaturais que derrubavam tudo o que se interpusesse entre ele e a procura da sua sobrevivência.
A falta de apoio moral e os ensinamentos dos que o rodeavam contribuíam para que neste estagio a sua sobrevivência aflorasse e o levava a cometimentos inglórios e crueis no mundo cruel do despotismo e da luta pela vida.
No roubo não se importava em tirar a vida alheia e tudo levava de rompante, como tudo fosse só seu e a propriedade alheia lhe pertencesse em pleno direito.
Porém quando se recolhia ao seu mundo a graça espiritual voltava e os seus olhos voltavam a brilhar nas contemplações.
É assim que hoje esse menino já homem vive actualmente num cubículo de quatro metros quadrados, na contemplação espiritual que o ajuda a esquecer os crimes horrendos que sua carne cometeu no mundo dos homens.
E assim ficará por toda a sua vida levando a que os outros seres que o rodeiam tenham por si um respeito ou medo próprios daqueles que sabem que sua liberdade terminou e agora há que espiar os pecados cometidos em liberdade.

Recife, 23.Ago.2007